A bióloga que impediu a extinção das araras-azuis
Premiada pela ONU, Neiva Guedes se dedica a
proteger a espécie e teve ideia que ajudou a reprodução
Fátima Lessa, especial para o Estadão
21
de novembro de 2021 | 05h00
A então estudante Neiva Guedes se
sentia inquieta em um fim de tarde de novembro de 1989 ao observar um grupo
de araras-azuis em galhos secos do Pantanal. Por meio de
uma professora, ela havia ficado sabendo da ameaça que rondava a espécie,
situação que a comoveu. “Coloquei na cabeça que iria fazer algo para que elas
não desaparecessem
Na época, estimava-se que a população dessas araras no País chegasse a 2,5 mil, das quais 1,5 mil no Pantanal. A extinção da espécie era uma ameaça real, potencializada pela atuação do tráfico de animais, que até a década de 1980 já havia afetado milhares de aves. Trinta anos depois, os esforços de Neiva ajudaram a mudar essa realidade, e hoje a população já chega a 6,5 mil.
Neiva Guedes em campo: após 30 anos, população de
6,5 mil araras Foto: Eveline Castanho/Arquivo Instituto Arara Azul
Em reconhecimento a esse trabalho, a
bióloga e doutora em Zoologia, hoje com 59 anos, ganhou mais um prêmio e passou
a integrar o grupo de Mulheres da Ciência, da Organização das
Nações Unidas (ONU). A premiação, diz Neiva, é válida sobretudo
porque ajuda a divulgar ainda mais o seu trabalho. O Instituto Arara Azul, que
ela criou, virou referência.
Obstáculos
Para
chegar a esse ponto, a bióloga teve de superar obstáculos. “Foi desafiador”,
diz. Quando começou, as referências bibliográficas eram escassas e não se sabia
nada sobre a reprodução da espécie ao ar livre.
Com
a ousadia de uma recém-formada, Neiva foi a campo. Sua proposta era
contabilizar ninhos de arara-azul, conhecer seus hábitos e evitar sua extinção.
Para isso, viajou de carona em carona pelo Pantanal. Quando conseguiu um carro,
ele se tornou sua casa, base itinerante em viagens de 30 a 60 dias.
A
arara-azul é a maior espécie de psitacídeos do mundo, com envergadura que pode
chegar a 1,5 metro. A reprodução demora de sete a nove anos e os filhotes
permanecem com os pais até completarem de 1 a 2 anos. Muito sociáveis, só vivem
em famílias, grupos e bandos. Quando amadurecem, formam par até que um deles
morra. Só se alimentam da castanha de dois tipos de coquinhos, o acuri e a
bocaiúva. Em casos extremos, podem comer outros alimentos.
Em
uma de suas primeiras tentativas de estudo, Neiva ficava em uma barraca no
refúgio ecológico Caiman, em frente a uma árvore, para conhecer o comportamento
das araras. Ficava lá do amanhecer até a noite, anotando tudo. Foi então
alertada por um amigo biólogo que ela precisava observar “não um casal, mas uma
população”.
Depois
da dica, ela saiu caçando ninhos. “Nos primeiros dias, consegui cadastrar 58
ninhos e, destes, 5 ainda com filhotes”. Até então, a catalogação se restringia
a observar do chão, pois não conseguia subir na copa das árvores. Mas logo ela
conheceu o ornitólogo americano Lee Harper, que lhe ensinou técnicas de campo,
principalmente escalada de árvores.
Caixas-ninho
Ao
perceber que um dos problemas na reprodução da espécie era a falta de cavidades
para construir ninhos, Neiva teve a ideia de criar as caixas-ninho –
ninhos artificiais com caixas de madeiras. “Deram certo, e começamos a instalar
em larga escala. Depois de um tempo, os ninhos artificiais passaram a ser como
os naturais”, conta. Simultaneamente, a equipe restaurava os ninhos naturais e
realizava o manejo de ovos e das próprias aves.
E
assim, em 2014, a arara-azul saiu da lista de animais ameaçados de extinção.
Porém, explica Neiva, a espécie ainda é vulnerável e corre risco, por fatores
como tráfico, baixa natalidade e mudanças climáticas.
Atualmente, além das araras-azuis, Neiva trabalha
com aves urbanas em Campo Grande. Nesses 32 anos, porém, treinou biólogos em
vários cantos do País. A premiação da ONU se somou a outras honrarias que
recebe desde 1995 no Brasil e em países estrangeiros.