A
NIDIFICAÇÃO DO TRICOLINO
Mario
Francisco Candeias Dias*
Fabricio
Vasconcelos Costa*
José
Silvério Lemos*
* COA- Clube de observadores de aves do Espirito Santo.
I –
TRICOLINO (PSEUDOCOLOPTERVX SCLATERI)
O Tricolino Pseudocolopteryx sclateri (Oustalet, 1892) é uma ave da família Tyrannidae, que normalmente encontra-se
associado a vegetação paludicola e de banhados. Trata-se de avezinha de pequeno
tamanho, medindo comumente cerca de 9,5 cm. (http://www.wikiaves.com.br/tricolino) apresentando coloração próxima a muitos tiranídeos, com
largar porção de amarelo em sua plumagem.
O Tricolino possui uma vasta distribuição no Brasil, mas não é ave
abundante nos locais onde ocorre. Recentemente novos registros foram feitos,
mostrando que sua área de distribuição é maior que a anotado
anteriormente. Antes, pensava-se que a distribuição do Tricolino era restrita
ao Brasil Oriental, do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. Porém, em anos
recentes a espécie foi encontrada também no interior do país, (p.ex. Minas
Gerais em Lagoa da Prata, nas vegetações baixas próximas ao Rio São Francisco)
e outros registros bem longe da área citada originalmente, como o Maranhão
(2014) e Mato Grosso do Sul (2010).
Apesar de ser considerado pela IUCN com status de conservação
"pouco preocupante", é importante salientar que não se trata de ave
comum. Seu habitat, as vegetações baixas próximas a alagados e banhados, vem
sendo suprimido em muitas localidades. Esse fato é uma ameaça para o futuro da
espécie. O que por si só já justifica o estudo do comportamento dessa ave, bem
como medidas para proteção dos banhados e alagados.
Este artigo apresenta dados e detalhes observados no
acompanhamento de um ninho da espécie localizado no município de Vila Velha,
Estado do Espírito Santo. A região é uma área de restinga com alguns
remanescentes florestais. O solo, típico desses cordões arenosos do Sudeste do
Brasil é bastante arenoso. Tratando-se da baixada litorânea, existem muitos
locais alagados com vegetação da Taboa Tipha domingensis. Alguns casais foram observados habitando esses brejos de taboas. O
trabalho acompanha desde o local escolhido pelo casal para construção do ninho,
até a independência dos filhotes quando abandonam o ninho paterno. Dessa forma,
dividimos por partes especificas para melhor compreensão do estudo :
II – A
CONSTRUÇÃO DO NINHO
O ninho objeto desses estudos, foi localizado em um tabual do lugar
conhecido como Vale Encantado no município de Vila Velha neste estado do
Espirito Santo. Foi localizado no meio da vegetação das taboas Tipha domingensis, a uma altura de 30 cm do solo. Na data de
19.7.2014, vimos a fêmea coletando material para o ninho. Esse material,
geralmente seco, eram folhas de gramíneas e de arbustos encontrados no lugar.
Em 26.7.2014, uma semana depois, o ninho já estava recebendo acabamento e nesse
dia fotografamos a fêmea levando material de cola para o ninho. Após a
confecção da pequena câmara do ninho, notamos que a fêmea cola o material de forma
a que as paredes fiquem bem unidas. Observamos que apesar do trabalho de
confecção do ninho ser prerrogativa da fêmea, o macho estava sempre por perto.
No dia 27 de julho, fotografamos o ninho já pronto, antes da postura. O aspecto
do ninho era de solidez e bem apoiado em uma das folhas da taboa caída na
horizontal. O trabalho de colagem ficou muito bom com o ninho adquirindo um
aspecto harmônico e compacto, bem diferente de alguns ninhos de tiranídeos, famosos pela aparência de desleixo, com pontas soltas de ramos do ninho. No
ninho do tricolino, não houve essas “pontas soltas” e os raminhos ficaram colados
e bem organizados. O resultado é que o ninho ganha um aspecto parecido aos
ninhos de beija flores, mas tendo a câmara oólogica aberta e confortável. No
dia 28.7.2014, observamos a postura do primeiro ovo. Nesse dia, após a postura,
a fêmea saiu para procurar alimento antes de iniciar a incubação.,
IIl – A
POSTURA E INCUBAÇÃO.
No dia 28 de julho de 2014, houve a postura do primeiro ovo do
Tricolino no ninho. No dia 30 de julho, 48 horas depois, o segundo ovo foi
gerado. A incubação dos ovos teve início logo após a postura do primeiro ovo.
Nessa ocasião, antes de se iniciar a tarefa de incubar o primeiro ovo, a fêmea
afastou-se em busca de alimento. Voltando depois e iniciando a incubação.
Durante o período de choco, observamos que a ave fica bem enquadrada firmemente
dentro do pequeno ninho, mantendo apenas a cauda fora, propiciando
uma imagem da ave com o “rabo arrebitado” bem encaixado no pequeno ninho.
Comparando-se o tamanho médio da ave, 9,5 cm. presumimos que o diâmetro do
ninho do tricolino é de 5 a 5,5 cm. Os ovos medindo cerca de 1,4 x 3 cm.
Ressaltamos que essas medidas são estimadas pela análise das imagens, uma vez
que em nossa pesquisa procuramos não estressar a ave, evitando o manuseio dos
ovos e do ninho. A eclosão dos ovos aconteceu no dia 13 para o dia 14 de
agosto. Portanto, pode-se dizer que o período de incubação demorou cerca de 16
dias. Observamos apenas a fêmea realizando o trabalho de incubação. Os ovos do
Tricolino são de cor branca com leve tonalidade rosácea. Observamos a ave
incubando, na posição característica, sobre os ovos e com a cauda sobrando para
fora do ninho. Nessas ocasiões, a ave dava mostras de se manter sempre atenta,
virando os olhos para as várias direções. Talvez desconfiada com a presença de
observadores por perto. Um detalhe interessante nesse ninho que acompanhamos é
que sua altura no meio do tabual ficou a apenas cerca de 30 cm. da água. O que
nos leva a temer em casos de nidificação em épocas muito chuvosas.
Durante a nidificação observamos a presença próxima
de alguns predadores. Corujas buraqueiras, Athene cunicularia, estavam a uma pequena distância no areal. O gavião do banhado Circus
buffoni, periodicamente sobrevoa o local dos pântanos.
Em 14.8.2014 observamos o nascimento dos filhotes. Muito
pequeninos, foi difícil distingui-los no fundo do ninho. A cor dos filhotes era
a mesma do fundo da câmara oólogica. No dia seguinte, porém, já tinham crescido
e abriam o bico pedindo comida.
IV-
ALIMENTAÇÃO DOS FILHOTES
No dia 19.8.2014
observamos o filhote abrindo o bico pedindo comida já alçando-se quase à altura
da câmara oólogica.
Observamos sempre o mesmo indivíduo, a fêmea levando comida para
os filhotes. Nessas ocasiões, sempre se mantinha empoleirada na borda do ninho
e colocava a comida diretamente dentro da goela vermelha dos filhotes! Muitas
vezes tratavam-se de pequenos insetos que não conseguimos identificar, mas em
outras ocasiões levava pequenas lagartas verdes diretamente aos bicos dos
ninhegos. Quando os filhotes estavam ainda muito pequenos, em várias ocasiões
após a alimentação, a fêmea cobria-os no ninho. Observamos também, que a fêmea, cuidadosamente após a eclosão dos ovos, retirou as
cascas dos ovos do ninho levando-as para longe..
Observamos que a dieta, constituída quase sempre de
matéria orgânica, é variada. Muitas vezes a ave trazia no bico formigas, grilos,
borboletas e libélulas para dar aos filhotes. No caso de uma borboleta, ela foi
triturada com o bico e colocada diretamente na goela do filhote. No dia
24.8.2017 observa-se que os filhotes já possuem as penugens da cabeça em
formação. No dia 26 de agosto os filhotes já estavam bem crescidos ao final da
tarde. Amontoavam-se no ninho e quase sempre um deles ficava por cima.
V-
CUIDADOS PARENTAIS
Os cuidados parentais foram exercidos
por ambos os pais, mas a fêmea tinha mais disponibilidade. Inclusive, quando o
macho estava no ninho, se afastava com a aproximação da fêmea. Detalhe interessante
nos cuidados parentais sobre a limpeza do ninho, é com a retirada das fezes dos
ninhegos. Com os filhotes ainda bem pequenos, suas fezes eram retiradas direto
do reto da ave pelo adulto, com o bico. Nessas ocasiões, a ave produzia um
minúsculo saco branco assemelhado a uma pupa de formigas que era retirado pelo
adulto e levado para longe.
No dia 27 de agosto, os filhotes já não
ficavam dentro do ninho. Ficaram empoleirados na sua beirada, muitas vezes
junto com um dos pais. Estavam já bem crescidos, mas com as retrizes bem
curtinhas, ainda enfatizando o aspecto de filhotes. No dia 28 de agosto, cerca
de 30 dias após o início da incubação, os filhotes saíram em definitivo do
ninho. Primeiro, ficavam nas beiradas e depois se aventuraram nas taboas
próximas. Sempre se esgueirando, dando a sensação de cair a qualquer momento. O
curioso é que o aspecto curto de suas caudas chama bastante atenção, indicando
serem bebês recém-saídos do ninho. Nessa ocasião os pais estão sempre por
perto, ajudando e educando os filhotes. No dia 29 já os vimos arriscando voos
curtos, mas supervisionados pelos pais.
DISCUSSÃO\:
O Tricolino é uma pequena ave paludicola
pertencente à família Elaeniinae, antes considerada como habitante dos banhados
litorâneos, mas, depois de sua descoberta nos alagados do Rio São Francisco,
também em Minas Geris. Habitante do varjão aberto, segundo SICK, na área
pesquisada, a espécie pode ser considerada como comum, porém, não se encontra
em todas formações brejosas do lugar. Não sabemos ainda, porque falta na
maioria dos brejos de Tiphas dominguensis do litoral do Espirito Santo. Por
exemplo, até esta data ainda não foi registrada no Parque Estadual Paulo Cesar
Vinha, área protegida litorânea com extensos brejos com formações de tabuais da
Tipha dominguensis.O nome inglês para o Tricolino é Crested doradito, segundo
Ridgely & Tudor. Essa ave varia de incomum a raro em seus habitats. Segundo
esses autores, são mais fáceis de ser encontrados em locais de mangues e
pântanos. São geralmente pouco conspícuos, solitários ou em pares. Em nossas
observações, nunca localizamos essas aves em mangues, mas sim na vegetação
paludosa próxima a mangues ou de cursos d’água. A classificação dessa espécie
pela IUCN como “Pouco preocupante” quanto a seu estado de conservação, coaduna com o que
observamos em campo. Não se trata de espécie abundante, mas frequente em
determinados locais específicos de seu habitat. Esse fato, mais uma vez mostra
a carência de mais estudos sobre nossas aves, principalmente seus
comportamentos e modos de vida! Tal fato pode ser ilustrado pelo pouco
conhecimento que as populações próximas possuem sobre essa pequena ave.
REFERENCIAS
BIBLIOGRAFICAS
RIDGELY, Robert S.; TUDOR, Guy. THE BIRDS OF SOUTH AMERICA VOL. II: The Suboscine
passerines, University of Texas, 1994.
SICK, Helmut. ORNITOLOGIA BRASILEIRA, Rio de Janeiro, 2001,
Editora Nova Fronteira.
http://www.wikiaves.com.br/wiki/tricolino[capturado em
25.11.2019, 18,55 hs. ]